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5 efeitos das mudanças climáticas no avanço da dengue no Brasil

Reinaldo José Lopes, Lupa

A expansão da dengue no Brasil durante as últimas décadas é uma espécie de aperitivo do que pode acontecer com a doença no país durante o resto do século 21 por causa das mudanças climáticas.

Diversas variáveis ambientais, importantes para a reprodução dos mosquitos que são vetores da dengue e até para a multiplicação do vírus da doença no organismo deles, devem ser exacerbadas com o aumento progressivo da temperatura. Além disso, o provável crescimento dos chamados eventos climáticos extremos, como chuvas torrenciais e secas intensas, pode acabar potencializando surtos de dengue de diferentes maneiras, indicam os estudos mais recentes sobre o tema.

O Aedes aegypti, principal inseto responsável pela disseminação da dengue, é originário da África tropical e depende de temperaturas relativamente elevadas e bastante umidade para se multiplicar com sucesso. Dados de laboratório indicam, por exemplo, que a exposição de longo prazo a um frio inferior a 10ºC ou a um calor acima de 40ºC normalmente é letal para os ovos da espécie. As larvas, pupas e adultos também sobrevivem melhor quando a temperatura fica entre 15ºC e 36ºC.

A influência da temperatura, no entanto, não é importante apenas para a sobrevivência dos indivíduos da espécie, mas também para a velocidade com que seu ciclo de vida se desenrola. E, nesse caso, tende a valer a máxima “quanto mais quente melhor”, desde que o calor não passe muito dos 30ºC.

A seguir, com base em estudos científicos, confira cinco efeitos das mudanças climáticas que podem acelerar o avanço da dengue no Brasil e no mundo:

 
 
 

1. Reprodução acelerada do mosquito

Em regiões quentes, os Aedes aegypti conseguem completar diversos ciclos de acasalamento e oviposição (postura de ovos) ao longo do ano. Com o calor, o intervalo entre sugar o sangue de seres humanos (processo durante o qual os vírus da dengue são transmitidos) e botar ovos fica mais curto. Vale lembrar que apenas as fêmeas se alimentam de sangue, que contém nutrientes importantes para o desenvolvimento dos ovos. Portanto, são as únicas a participar diretamente do ciclo da doença.

Numa temperatura de 25ºC, por exemplo, as fêmeas conseguem produzir duas vezes mais ovos do que a 20ºC, e a quantidade de ovos é três vezes maior quando a temperatura sobe para mais de 30ºC. Além disso, o período que vai da oviposição até o momento em que as larvas saem dos ovos cai de 15 dias para uma semana ou pouco menos quando a temperatura passa de 20ºC para 30ºC.

2. Aumento nas picadas em humanos

Também há evidências de que o calor acaba impulsionando o comportamento de picar seres humanos. Nessas condições, como os mosquitos se desenvolvem de forma mais rápida, eles tendem a se tornar adultos com tamanho menor, o que corresponde a uma menor reserva de energia em seu organismo.

Resultado: as fêmeas precisam se alimentar de sangue mais cedo (logo após completarem seu desenvolvimento) e com mais frequência – calcula-se que a frequência máxima de picadas ocorre a temperaturas entre 30ºC e 35ºC.

3. Maior potencial de contaminação

O calor também é um aliado do vírus ao acelerar o que os especialistas chamam de tempo de incubação extrínseca.

Trata-se do período que transcorre entre o momento em que o Aedes aegypti se alimenta do sangue de uma pessoa que carrega o vírus da dengue e o momento em que esse mosquito se torna capaz de transmitir o vírus para outra pessoa (considerando que o inseto ainda não tivesse o causador da dengue em seu organismo).

O processo nem sempre acontece porque muitas fêmeas podem acabar morrendo antes que elas transmitam o vírus. No calor, a probabilidade de que elas sejam capazes disso aumenta porque a replicação (multiplicação) viral é mais rápida nessas condições ambientais. Experimentos apontam, por exemplo, que o tempo de incubação extrínseca é de cerca de uma semana numa temperatura de 30ºC – ou cerca de metade do tempo necessário se a temperatura é de 25ºC.

4. Expansão para outras regiões

Todos esses dados fazem com que boa parte do Brasil seja um habitat naturalmente favorável para o Aedes aegypti, por conta do clima tropical.

A questão é que as mudanças climáticas que já estão ocorrendo ao longo das últimas décadas são, ao que tudo indica, um dos fatores por trás da expansão do mosquito e dos casos de dengue em locais que, anteriormente, não eram afetados pela doença no país.

Uma estimativa publicada em agosto de 2022 na revista científica The Lancet Regional Health – Americas indica que, durante os cinco anos anteriores, quase 500 municípios brasileiros tinham registrado pela primeira vez a chamada transmissão comunitária da dengue. Esse conceito se refere ao momento em que cada pessoa infectada pela doença numa comunidade passa a transmiti-la – no caso, indiretamente, por meio do mosquito – a mais de uma pessoa, aumentando o risco de uma situação de epidemia.


Com isso, 8,7 milhões de pessoas a mais ficaram sob risco de ser infectadas”, escrevem os autores do levantamento, liderados por Cláudia Codeço, da Fundação Oswaldo Cruz. A pesquisadora e seus colegas destacam ainda que, apenas nos primeiros três meses de 2022, 63 municípios entraram nessa lista pela primeira vez, dos quais metade ficam na região Sul do país, historicamente bem menos sujeita ao problema por conta de seu clima, em média, mais frio que o do resto do Brasil. “Em particular, nos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, a taxa de novos municípios com dengue saltou de 1 ou 2 por ano para 10”, afirmam os pesquisadores.

Um retrato mais detalhado desse fenômeno e da expansão da dengue pelo Brasil como um todo foi publicado no periódico especializado PLoS Neglected Tropical Diseases em dezembro de 2021. No estudo, coordenado por Sophie Lee, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, e do qual participaram também pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Federal do Espírito Santo, os cientistas mapearam surtos da dengue em municípios do território nacional registrados entre 2001 e 2020. Para a classificação de um conjunto de casos como “surto”, eles empregaram a definição oficial do Ministério da Saúde: 300 casos ou mais de dengue a cada 100 mil residentes.

O estudo mostrou que há uma correlação entre o aparecimento de novos surtos e o número de meses do ano com temperaturas consideradas adequadas para a multiplicação do Aedes aegypti. Além disso, do começo do século para cá, meses com calor suficiente para o ciclo de vida do mosquito têm ficado mais comuns na região Sul, o que coincide com o aumento dos surtos nesses estados. A área de influência da doença parece ter se deslocado na direção sul, onde antes parecia haver uma “fronteira” no norte do Paraná.

“Embora essa barreira [à propagação da dengue] no sul do Brasil ainda exista, ela está mudando de posição rumo ao sul. Poucas áreas do Brasil continuam protegidas de surtos de dengue. As comunidades que vivem nas bordas de antigas barreiras são particularmente suscetíveis a surtos futuros, já que não adquiriram imunidade [contra a doença]”, afirmam os pesquisadores no estudo. Um cenário parecido pode acontecer também em regiões de maior altitude – relativamente raras no país, mas presentes, por exemplo, no interior de Minas Gerais.

5. Eventos climáticos extremos

Sophie Lee e seus colegas brasileiros responsáveis por esse trabalho assinam ainda outro estudo de 2021, no periódico Lancet Planet Health, que analisou o impacto de chuvas intensas e de secas prolongadas sobre a presença da dengue no país ao longo das duas primeiras décadas do século 21. Ambos os fenômenos devem ser problemas cada vez mais comuns no futuro, graças ao aumento previsto de eventos climáticos extremos.

A equipe observou que o risco de surtos de dengue tende a aumentar até três meses depois de fases de chuva intensa e, curiosamente, o mesmo tende a ocorrer entre três e cinco meses após secas fortes. No entanto, os mecanismos, em cada caso, parecem ser diferentes em áreas mais urbanizadas e regiões rurais.

Na zona rural, em especial em estados da Amazônia, os surtos são mais favorecidos pelos eventos de chuva intensa, provavelmente por um mecanismo relativamente simples – o acúmulo de água onde as fêmeas de Aedes aegypti botam seus ovos.

Por outro lado, em áreas urbanas, tudo indica que as secas prolongadas podem exacerbar a precarização do abastecimento de água e levar mais pessoas a improvisar sistemas de armazenamento, que acabam sendo um terreno fértil para a reprodução dos mosquitos, afirmam os pesquisadores. Logo, a tendência é que as altas temperaturas e a maior incidência de eventos extremos ampliem, nas próximas décadas, os impactos causados pela dengue.

Mas os dois estudos também destacam que as variáveis climáticas estão longe de ser a única influência sobre o avanço da doença. Outro elemento importante é o aumento da conectividade de regiões como o Centro-Oeste e a Amazônia com o resto do país – o que passa pela expansão da rede de estradas, tráfego aéreo, agronegócio e outras áreas, em especial econômicas.

Isso é um risco em potencial para a proliferação da dengue porque acaba carregando mais mosquitos e diferentes subtipos do vírus que já circulavam em centros urbanos do Nordeste e do Sudeste para regiões onde ainda não chegaram.

Edição: Leandro Becker e Maurício Moraes.

Essa reportagem foi produzida pela Lupa, hub de soluções de combate à desinformação do Brasil, em parceria com a farmacêutica Takeda.