O preocupante cenário que levou 2022 a registrar um recorde histórico de mortes por dengue no Brasil não parece próximo de uma trégua em 2023.1 De acordo com o mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em 20 de abril, os casos de dengue aumentaram mais de 35% em comparação ao mesmo período do ano passado.2
A situação fez com que o governo emitisse um alerta para uma possível situação de epidemia em alguns estados. De 1º de janeiro a 20 de abril, foram registrados 799,8 mil casos prováveis e 267 óbitos pela doença. Frente a este cenário, a Lupa reuniu algumas informações que circulam sobre a dengue e seu vetor, o mosquito Aedes aegypti, e mostra, a seguir, o que é verdade e mentira sobre a doença no Brasil.
O cuidado individual é muito importante, mas o combate à dengue depende de uma ação coletiva. Como a transmissão da doença é feita por um mosquito capaz de se dispersar por distâncias razoavelmente grandes, de até 300 metros voando — e ainda maiores quando “pega carona” em elevadores, recipientes, entre outros —, é preciso que os cuidados sejam tomados por toda a comunidade.
Além de eliminar água parada que possa se transformar em criadouros em sua casa, como em vasos de plantas, garrafas plásticas e piscinas não usadas, é preciso ficar atento ao seu entorno e sensibilizar também a vizinhança — afinal, se o mosquito não encontra um lugar propício para colocar os ovos na sua casa, ele pode encontrar na do vizinho. “Não adianta a minha casa ser cuidada se a do vizinho não estiver. O controle do mosquito depende de cada um, da comunidade e também do poder público”, alerta Rafaela Vieira Bruno, do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
A dengue grave, também conhecida como dengue hemorrágica, é caracterizada pelo aparecimento de manchas vermelhas na pele, sangramentos (nariz, gengivas), dor abdominal intensa e contínua e vômitos persistentes. Esse é um quadro perigoso e que precisa de intervenção médica imediata, pois pode ser fatal. Ainda que 90% dos casos de dengue grave ocorram após uma segunda infecção pelo vírus, todos os quatro sorotipos podem levar a esse quadro já na primeira infecção.3 A maior frequência é registrada, porém, após a segunda ou terceira.
O criadouro preferencial do Aedes aegypti é a água limpa, mas os ovos do mosquito também podem se desenvolver em água com um pouco de matéria orgânica. Se a fêmea não encontrar um criadouro ideal, ela pode colocar os ovos em locais de água parada mais suja.
“Não é porque a água está suja que não precisa cuidar, limpar este local. Se o mosquito encontrar uma água meio sujinha, ele pode colocar seus ovos ali também”, relata Rafaela Vieira Bruno, do IOC/Fiocruz.
A única forma de contrair a dengue é pela picada do mosquito, ou seja, não há transmissão direta de uma pessoa para a outra. Mas isso não significa que qualquer picada do Aedes aegypti vai levar uma pessoa a ter a doença. Somente as fêmeas que estejam carregando o vírus conseguem transmitir a dengue para humanos pela picada.
“Essa fêmea que transmitirá o vírus para outras pessoas pode se infectar de duas formas: quando pica uma pessoa infectada ou quando nasce de uma mãe que já está infectada ao colocar os ovos, o que é chamado de transmissão transovariana”, explica o biólogo Luciano Pamplona, superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará.
Um dos indicativos usados para estimar a gravidade de uma doença, a taxa de letalidade é calculada a partir do número de mortes registradas quando consideramos todas as pessoas infectadas por dengue — desde os quadros mais leves aos mais graves — e o número de mortes. A doença possui uma baixa letalidade: no Brasil, entre 2019 e 2022, essa taxa variou entre 0,04% e 0,06%.4 A febre amarela, por exemplo, tem índices entre 5% e 10%.5
No entanto, entre aqueles que desenvolvem quadros graves da doença, a situação é mais preocupante: a taxa de letalidade variou entre 4% e 5,7% no mesmo período. “É uma doença que preocupa bastante, também, pelo elevado número de pessoas que necessitam de atendimento em unidades de saúde. É um grave problema de saúde pública, mesmo que a taxa de letalidade não seja tão alta”, afirma Luciano Pamplona.
O Aedes aegypti possui um comportamento diurno, o que significa que ele concentra a maior parte de suas atividades durante o dia, como locomoção, busca por criadouros e hospedeiros. Os horários preferenciais das picadas são nas primeiras horas da manhã e nas últimas da tarde. No entanto, isso não significa que você não possa ser picado à noite.
“O mosquito gosta de estar onde o humano está. Se estendemos nossas atividades até altas horas da noite, o mosquito acaba acompanhando a gente. Ou seja, ele pode picar mesmo após o anoitecer. Por isso, todo cuidado é válido, como passar repelente também à noite e usar outras medidas protetivas, como mosquiteiros e telas”, diz Rafaela Vieira Bruno.
Existem quatro sorotipos da dengue (1, 2, 3 e 4) no mundo, e a infecção só confere imunidade permanente ao tipo de vírus que a pessoa foi infectada. Em outras palavras, se uma pessoa contrai dengue por um mosquito que carrega o sorotipo 2, por exemplo, o seu corpo adquire defesa contra esse tipo, mas ainda fica suscetível a infecções pelos outros três. Atualmente, no Brasil, há registros de que circulam principalmente os sorotipos 1 e 2.
Estudos vêm demonstrando que o aumento médio da temperatura global e as mudanças nos regimes de chuva observados nas últimas décadas em decorrência da crise climática estão intimamente ligados ao aumento dos casos de doenças tropicais, em especial a dengue.6,7
“Os mosquitos normalmente sobrevivem melhor em áreas tropicais, que são mais quentes e chuvosas. Nessas condições, eles aumentam sua atividade (incidência de picadas) e o ciclo reprodutivo é mais rápido. Com as mudanças climáticas, mais regiões estão com um clima propício para o mosquito, fazendo com que ocorra a expansão da dengue”, explica a epidemiologista Sara Oliveira, assistente de pesquisa do InfoDengue.
O Aedes aegypti circula o ano todo, não somente no verão. Em temperaturas mais baixas, no entanto, a circulação do mosquito diminui, mas não deixa de existir. Isso ocorre por dois motivos. O primeiro é que o ciclo de vida do mosquito, do ovo à fase adulta, é mais longo quando está mais frio — em torno de dez dias, contra sete no verão, quando ele acaba se reproduzindo em maior velocidade.
O segundo motivo é que os ovos depositados em criadouros resistem por mais de um ano em ambientes secos e, assim que entram em contato novamente com a água, podem eclodir. Isso pode acontecer em qualquer época do ano, ainda que seja mais frequente no verão, quando há um maior volume de chuvas.
Apesar de a região Norte do Brasil ser a mais associada a doenças transmitidas por mosquitos pelas condições climáticas favoráveis ao vetor — como o calor, por exemplo —, o mosquito da dengue hoje está distribuído de forma ampla em todo o território nacional, inclusive no Sul do país. Em 2022, por exemplo, a região Centro-Oeste apresentou a maior taxa de incidência de dengue, com 2.086,9 casos por 100 mil habitantes, seguida das regiões Sul (1.050,5), Sudeste (536,6), Nordeste (431,5) e Norte (277,2).8
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Essa reportagem foi produzida pela Lupa, hub de soluções de combate à desinformação do Brasil, em parceria com a farmacêutica Takeda.