Circula nas redes sociais um vídeo em que um homem afirma que as vacinas contra a Covid-19 — especialmente as da Pfizer e da AstraZeneca — reduzem a quantidade de plaquetas no organismo. Segundo ele, isso poderia ser fatal em casos de dengue, já que a suposta queda de plaquetas causada pela vacinação deixaria o paciente mais vulnerável, podendo levá-lo à morte. No vídeo, o homem também recomenda o uso de suplementos, como vitamina C, vitaminas do complexo B (B12 e B9) e vitamina D, além de alimentos que, segundo ele, ajudariam a aumentar a contagem de plaquetas e, consequentemente, intensificar a imunidade do organismo contra a doença. As informações são falsas.
Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que o conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação:
As vacinas contra a Covid-19 não diminuem a quantidade de plaquetas no sangue, como alega o vídeo. De acordo com o infectologista Marcelo Daher, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), não há evidências científicas que mostrem essa causalidade.
As plaquetas são fragmentos celulares produzidos pela medula óssea e atuam na coagulação do sangue, na cicatrização de feridas e na reparação de vasos sanguíneos. A quantidade dessas células no corpo é regulada naturalmente pelo organismo.
Segundo a médica infectologista Raquel Stucchi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a fala do vídeo não tem nenhum valor científico e epidemiológico. “A dengue pode ter uma evolução mais grave. A diminuição de plaquetas faz parte de um quadro de dengue, que requer uma monitoramento contínuo. Entretanto, a recorrência não tem relação com as vacinas que estão sendo administradas”, reforça.
Em novembro de 2024, o Ministério da Saúde desmentiu um boato de que vacinas da Covid-19, em especial a da AstraZeneca, ao aumento de casos de Púrpura Trombocitopênica Idiopática (PTI), doença autoimune hematológica, geralmente benigna e de causa desconhecida. A relação causal entre a vacina e a PTI não foi estabelecida.
O Ministério da Saúde tem ofertado a vacina de RNA mensageiro (RNAm) fabricado pela Pfizer.
Em abril de 2021, a Agência Europeia de Medicamentos, que regula as vacinas na União Europeia, alertou para "casos muito raros de coágulos sanguíneos associados à trombocitopenia, ou seja, níveis baixos de plaquetas sanguíneas" após a aplicação da vacina AstraZeneca.
A farmacêutica à época reconheceu que era preciso investigar os casos. "Admite-se que a vacina pode, em casos muito raros, causar Síndrome de Trombose com Trombocitopenia (TTS). O mecanismo causal não é conhecido. Além disso, o TTS também pode ocorrer na ausência da vacina. A causalidade em qualquer caso individual será matéria para prova pericial.”
A AstraZeneca afirmou em comunicado à Justiça que, “com base em ensaios clínicos e dados do mundo real, a vacina AstraZeneca-Oxford mantém um perfil de segurança aceitável e que os benefícios da vacinação superam os riscos de efeitos secundários potenciais extremamente raros”.
A Fiocruz, que foi responsável pela produção do imunizante no Brasil, reforçou que os casos de trombose "são extremamente raros e possivelmente associados a fatores predisponentes individuais". A Organização Mundial da Saúde (OMS), por sua vez, recomenda o uso da vacina e reafirma que os benefícios do imunizante superam eventuais os riscos.
Apesar das propriedades benéficas dos alimentos citados, nenhum suplemento é capaz de aumentar a contagem de plaquetas para curar a dengue, afirma o médico Marcelo Daher, da Sociedade Brasileira de Infectologia. “A produção de plaquetas é feita pela medula óssea e esses alimentos não aumentam a contagem de plaquetas”, explica. “Existem alguns medicamentos que a gente pode utilizar em algumas situações para tentar elevar as plaquetas, dependendo da situação da queda”, complementa Daher, em referência a doenças como a leucemia, em que o controle de plaquetas é essencial.
A médica hematologista Fernanda de Oliveira Santos também esclarece, em seu canal no YouTube, que qualquer infecção [viral] pode baixar o número de plaquetas. “O que fazer? Esperar passar [os sintomas do vírus] [...]”, orienta.
Vale ressaltar que os suplementos e alimentos mencionados também não aparecem no Manual de Manejo Clínico da Dengue do Ministério da Saúde. O documento reúne os protocolos de tratamento recomendados e reforça que não há, até o momento, um medicamento específico para a doença. A pasta afirma ainda que o tratamento recomendável é a reposição de líquidos adequados e repouso.
O que é reforçado por especialistas. "O tratamento convencional para tratar infecções do vírus da dengue consiste no manejo dos sintomas (febre, dores musculares)", afirma o professor Renato Oliveira, do departamento de Fisiologia e Patologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
De fato, um estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) chegou a essa conclusão. Entretanto, a própria Fiocruz, Ministério da Saúde e cientistas apontam uma série de erros no artigo.
Em dezembro de 2024, o artigo intitulado “Avaliação do risco de mortalidade pós-Covid em casos classificados como síndrome respiratória aguda grave no Brasil: um estudo longitudinal de médio e longo prazo", publicado na revista Frontiers in Medicine alegava que “o efeito protetor da imunização contra a Covid-19 foi observado até um ano após os primeiros sintomas e que, após esse período, o efeito foi revertido, mostrando um risco aumentado de morte para os vacinados".
As conclusões, no entanto, foram contestadas por um Comitê de Acompanhamento Técnico-Científico das Iniciativas Associadas a Vacinas para a Covid-19, formado por um grupo independente de especialistas da Fiocruz. O grupo apontou falhas na metodologia do estudo, como problemas na base de dados, na amostra utilizada e na forma de análise. “ O que poderia contribuir para uma maior desconfiança em relação às vacinas”, alertou o comitê.
Os especialistas reforçaram ainda a importância do rigor científico, especialmente em temas sensíveis como a vacinação. “É crucial manter o rigor científico, evitando a polarização ideológica na pesquisa sobre vacinas. Artigos submetidos para publicação científica abordando causalidade relacionada a condições de saúde, que são multifatoriais por natureza, devem usar bancos de dados múltiplos, apropriados e robustos para testar hipóteses multicriteriais, além de declarar claramente as limitações metodológicas do artigo e das inferências apresentadas”, diz o comunicado.
O Ministério da Saúde também se posicionou à época. Disse que o estudo realizado “não permite tais conclusões ou generalizações. Ele possui diversas limitações e erros sistemáticos que não foram considerados pelas autoras".
Segundo a pasta, a base de dados utilizada – Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica (SIVEP) – não é adequada para avaliar a eficácia ou segurança das vacinas em relação à mortalidade. “A base de dados utilizada não é apropriada para a análise de eficácia e segurança das vacinas para óbitos após um quadro de SRAG [Síndrome Respiratória Aguda Grave], uma vez que seu propósito é a notificação desses casos agudos até o seu desfecho direto (alta hospitalar ou óbito)”, diz a pasta. Para esse tipo de análise, o ministério indica o uso do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que utiliza declarações de óbitos e realiza a codificação das causas de morte de forma sistemática.
Após a repercussão e análise do comitê da Fiocruz, a Frontiers in Medicine publicou em janeiro deste ano uma nota em que “declara estar ciente das preocupações relacionadas ao conteúdo do artigo”. “Nossa equipe de Integridade em Pesquisa conduzirá uma investigação em total conformidade com nossos procedimentos. A situação será atualizada assim que a investigação for concluída".
A reportagem entrou em contato com uma das autoras do estudo por e-mail, mas não houve retorno.
Checagem similar foi produzida por Estadão Verifica.
A reportagem entrou em contato com o autor do vídeo, mas não houve retorno.
Edição: Ítalo Fagundes
Este conteúdo foi licenciado pela Lupa, hub de soluções de combate à desinformação, e originalmente postado em seu site em 15/04/2025.