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Sem sombra
de fake

Caldo de cana, água de coco e fórmulas manipuladas não curam a dengue

Evelyn Fagundes, Lupa

Circulam nas redes sociais posts afirmando que ingerir bebidas como caldo de cana, água de coco e isotônicos, acrescidas de um medicamento manipulado com os componentes Eupatorium e Phosphorus, poderiam curar a dengue ou até prevenir a doença. É falso.

Por WhatsApp, leitores sugeriram que o conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa:

Postagem fake
"Curando a dengue mais rápido esse manipulado se você tomar 1 vez por mês fica imune ao mosquito


Caldo de cana, água de coco, Gatorade e repositores e Manipulado China Off+Eupatorium+Phosphorus"


– Legenda da imagem que circula nas redes sociais
Falso

As bebidas mencionadas no post e o composto manipulado não possuem eficácia comprovada para tornar as pessoas imunes ao vírus da dengue ou “curar mais rápido” a doença. Nenhum dos produtos listados no post desinformativo constam no manual de manejo clínico de dengue do Ministério da Saúde que lista protocolos oficiais de tratamento e combate à doença.

A Lupa contatou os infectologistas Igor Marinho, médico da Rede de Hospitais São Camilo, de São Paulo, e Lilian Avila, médica da Beneficência Portuguesa de São Paulo, do Hospital Edmundo Vasconcelos e do Leforte Liberdade. Ambos afirmaram que os itens não possuem qualquer funcionalidade para prevenir ou curar a dengue. “O uso de produtos sem embasamento científico pode atrasar o tratamento correto da dengue e, em casos graves, levar a complicações que colocam a vida em risco”, alerta Marinho.

Em relação às substâncias homeopáticas Eupatorium e Phosphorus, uma busca na Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos e no Google Acadêmico indicam estudos sobre os componentes. No entanto, essas pesquisas carecem de rigor científico necessário para apresentar um embasamento teórico e metodológico suficiente para firmar a teoria de que as substâncias poderiam oferecer cura ou proteção contra a dengue. Segundo os especialistas consultados pela Lupa, esses trabalhos são ausentes de fundamentações sólidas, o que compromete a validade das suposições.

“Até o momento, não existe nenhuma evidência científica de qualidade sólida que demonstre a atividade destes compostos contra a dengue, seja para prevenir ou tratar a doença”, conclui a infectologista Lilian Avila.

Em nota enviada à Lupa, o Ministério da Saúde negou que aprovou uma fórmula manipulada com os compostos citados nos posts que circulam nas redes – Eupatorium, Phosphorus, Quina, Crotalus e Gelsemium – que seria capaz de curar ou prevenir a dengue. 

“O Ministério da Saúde informa que não há fármacos aprovados pela ANVISA que tenham atuação antiviral para vírus da dengue e outros arbovírus, para tratamento ou prevenção de dengue. Reforça-se que as orientações sobre o arboviroses estão contidas no Manual de Manejo Clínico da Dengue e Manual de Manejo Clínico da Chikungunya”, pontuou a pasta. 

Promessa de cura com fórmulas manipuladas

O manipulado, citado no post desinformativo, é composto com China Off (conhecido também como Quina), Eupatorium e Phosphorus. A Lupa também identificou outras publicações que citam outros componentes, como Crotalus e Gelsemium.

Segundo Marinho, essas fórmulas não têm eficácia contra a dengue. “Esses compostos manipulados mencionados não possuem respaldo científico ou técnico para tratar ou prevenir a dengue, seja para formas leves ou graves da doença”, afirmou o infectologista. 

Avila explica que existem estudos sobre essas substâncias, mas com grandes limitações e sem rigor científico. “Os poucos trabalhos disponíveis sobre o assunto demonstram grandes falhas metodológicas relacionadas aos desenhos dos estudos, número muito pequeno de participantes, e resultados que não podem ser inferidos a partir dos dados obtidos”, pontua a médica.

Água de coco, isotônicos e caldo de cana

Em fevereiro de 2023, a Lupa verificou publicações que alegavam que água de coco e caldo de cana seriam capazes de acelerar a recuperação de pacientes com dengue, o que é falso. Não há comprovação científica de que as bebidas tenham eficácia comprovada no tratamento ou na prevenção da dengue.Também não existe evidência científica que sustente a narrativa de que isotônicos sejam eficazes contra a doença. 

“Até o momento, não há estudos científicos robustos e validados que comprovem a eficácia ou segurança desses produtos no manejo da dengue. Por esse motivo, nenhum desses compostos está incluído em protocolos oficiais de tratamento de autoridades em saúde, como o Ministério da Saúde do Brasil, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ou outras entidades de referência global”, destaca Marinho.

A infectologista Lilian Avila pontua que a hidratação é essencial no tratamento da dengue, mas não significa cura. “O consumo abundante de líquidos durante a fase aguda da dengue é uma das medidas para tratamento mais eficazes que temos por enquanto. Contudo, é importante ressaltar que a hidratação por via oral, ainda que seja muito importante para o tratamento da dengue, não é uma medida curativa, apesar de ser terapêutica”, explica. 

O Ministério da Saúde afirma em seu site que a recomendação é priorizar a reposição adequada de líquidos e repouso, além de buscar orientação médica. A automedicação também é desaconselhada pela pasta. A pasta diz ainda que não existem contraindicações para o consumo de caldo de cana, mas reforça que “o fator curativo atribuído simplesmente não existe”.

Receitas falsas voltam a circular

A Lupa já verificou outros conteúdos que promoviam receitas milagrosas para curar ou prevenir a dengue. Em maio do ano passado, circulou nas redes um post falso alegando que beber água alcalina, suco de bardana e alternar banhos frios e quentes seriam formas de combater a doença. Outro post, de abril, alegava que beber suco com inhame trataria a dengue e aumentaria o nível de plaquetas no sangue, o que também é falso.

Vacinação

Em março de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou uma vacina contra a dengue. Com eficácia de 80,2%, o imunizante Qdenga começou a ser disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2024, em 521 municípios distribuídos em 37 regiões de saúde do país.

Segundo o Ministério da Saúde, a vacina é uma ferramenta importante para que a dengue seja classificada como mais uma doença imunoprevenível, ou seja, aquela que pode ser evitada ao aplicar a vacina. A vacinação contra a dengue está disponível no SUS para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos.

Edição: Evelyn Fagundes

Este conteúdo foi licenciado pela Lupa, hub de soluções de combate à desinformação, e originalmente postado em seu site em 14/02/2025.